Crônicas noturnas de uma cidade futura
Episódio 2 - Drama Familiar Parte 2
Marcos tenta defender-se dos golpes de Bruno Merichelle, deitado no banco da limousine, fecha os braços por sobre o rosto. Percebendo o cansaço de seu oponente, coloca o pé em seu abdômen e o empurra para cima e para o lado, vendo algumas garrafas no frigobar da limousine, que se abriu com o impacto, pega uma para golpear seu oponente.
Bruno Merichelle percebendo o movimento de Marcos reúne suas forças, lança-o pela porta da limousine com garrafa e tudo, gritando para seu motorista voltar e passar por cima do corpo.
***
Pela primeira vez, alguns momentos de paz. Estar com seu neto Pablo Merichelle, era para ele a única forma de estar vivo em anos. Explicar o que houve com seu pai, e lhe dar o dom da imortalidade, era resolver sua solidão, era ter com quem compartilhar suas dores, seus medos e desejos. O velho Merichelle estava se sentido uma criança.
Voltara ao bar onde o menino Merichelle vivia, logo após resolver as coisas com Marcos, sabia que não o matara, mas demoraria para que o vampiro se recuperasse, e enquanto isso, levaria seu neto para seu refugio, longe de tudo e de todos. Em breve para mais longe ainda.
***
Pablo Merichelle estava deitado em um sofá de veludo vermelho, abrira os olhos, mas não se mexera, não queria despertar a atenção de seu raptor, que parecia com seu avô, mas não poderia ser, seu avô morrera a décadas, quando não havia nascido, quando seu pai era jovem, como na foto que se lembrava.
-Não precisa ter medo, não lhe farei mal, sei que tudo parece impossível de entender, mas tentarei explicar, e logo que tiver o dom que tenho, compreenderá, melhor ainda. O homem, ou demônio, com quem brigou hoje, é o assassino de seu pai, e o matou para que seu pai não ganhasse o dom que ganharás hoje.
Pablo tenta se levantar do sofá. O que o homem estava dizendo só poderia ser sandices de um louco psicopata, tinha que fugir, já.
-Controle-se Pablo, já disse que não lhe farei mal, não sou louco nem psicopata. Quero apenas que meu neto compartilhe meu dom.
Parecia a Pablo que o homem ouvia seus pensamentos, e respondia a todas as perguntas que podia formular.
- E sim, posso ler seus pensamentos, mas repito, não se preocupe, não lhe farei mal, o que vou lhe dar é um presente maior do que você pode supor.
Pablo estava sem forças, não entendia o que avia acontecido, sentia o sangue escorrer em seu rosto, sentia sua cabeça latejar.
-Descanse agora, não tente se levantar. Diz Bruno tomando as mãos de seu neto entre as suas e lhe beijando o pulso, e depois sugando o sangue mortal do menino.
Fraco Pablo nem percebeu o que acontecia, deixou-se levar pela onda entorpecente que unia os dois homens na sala.
***
Fraco e sentido muita sede, Pablo é acordado por seu raptor, com o pulso cortado, lhe oferecendo seu próprio sangue para beber. A principio não queria, não entendia, mas foi compelido pela sede, e sucumbindo a ela, agarra se ao braço que lhe foi oferecido, sugando como uma criança, sentindo o sangue lhe aquecer o corpo e lhe trazer um conforto a muito não obtido.
Ele realmente era seu avô, não restava duvidas, seguiria seu caminho com ele, fosse para onde fosse, estava em casa novamente, não em um bar, trabalhando como escravo, mas com os seus, ou ao menos com um dos seus, agora era um Merichelle, não um desgarrado ou um abandonado, não mais o menino.
Com um safanão Bruno Merichelle, afasta seu neto. Pablo já tomara o suficiente de seu sangue, agora poderia dormir e morrer em paz, quando acordasse, conversariam novamente.
Bruno mal podia esperar pela noite seguinte, fechando o mausoléu onde Pablo iria dormir, sonhava com os anos que teriam pela frente.
***
Arrastando o que restava de seu corpo, Marcos entra em um beco escuro, onde ratos perambulam em volta de uma lixeira, reunindo suas ultimas forças, pega alguns e se alimenta. Em quanto o sangue dos pequenos ratos surte o efeito desejado, uma torrente de pensamentos ecoa em sua cabeça, a raiva toma conta, assim que reunisse forças novamente, Bruno pagaria por tudo, uma criança malcriada que merecia seu castigo, crianças que não respeitam as regras põem os outros em risco.
***
O arrastar de cadeiras, o chão encerado, a prataria sendo polida até refletir a imagem do criado que a polia, tudo indicava que era noite de reunião, o conselho seria formado, claro que ninguém ali sabia o que iria acontecer, exceto Melinda. Estava deslumbrante, colocara um vestido negro, comprido e com golas altas, brilhante como o céu estrelado, colocara também suas mais preciosas jóias, gostava de impressionar os convidados, afinal, era cria de Catarina, a grande mestra de todos os vampiros da região, não uma princesa da noite, mas uma rainha de Sabah.
Uma presença na porta, desperta Melinda de seus pensamentos, já estava atrasada, os criados já deveriam ter sido dispensados e o salão secreto já deveria estar aberto. Um toque de capainha. Ele era sempre o primeiro a chegar, Antonio, o vampiro mais velho do conselho, era da longínqua época onde ainda existiam cavalheiros, homens elegantes e de gestos suaves, podia até vê-lo sobrecasaca preta, cobrindo o elegante terno de alfaiataria e a cartola um pouco inclinada para frente e para o lado, cobrindo um rosto de traços finos e muito atraente. Poderia entrar na casa sem o mínimo esforço, mas tocava a campainha, e aguardava pacientemente. Antes de atender aporta, Melinda manda todos os empregados saírem da casa e recolherem-se em seus aposentos: o que faziam sem pestanejar além de empregados eram escravos mentais de Catarina.
Tudo pronto. Melinda se dirige a porta.
***
Bruno Merichelle observava o despertar do menino, para sua nova vida, seu rosto empalidecera e ganhara certa luminosidade, seus olhos tornaram-se abismos negros e seu cabelo estava liso como o do avô. Agora era um homem, não mais um menino.
-Vamos, acorde meu neto, não temos muito tempo, aqui não é seguro para nós.
Pablo abre os olhos como se retornasse da morte, mas no seu caso a morte era só o começo, estava realmente morto, mas a magia e a nova consciência moviam o que restara de seu corpo. Levantando-se com a ajuda de seu avô, sente náuseas, e sede, muita sede.
-Vamos beber e sair, no caminho lhe explico tudo que deve ser explicado. Agora só a tempo para a primeira lição, que é a mais importante. E no fundo a única que realmente importa.
Deixando o porão da grande mansão, os dois Merichelle seguem para uma cozinha clara e ampla, lá se encontram três figuras, uma senhorinha com trajes de cozinheira, um rapaz com uniforme de motorista e um senhor trajando macacão e botas de jardinagem.
- Obrigado Willian por fazê-los esperar. Quanto a vocês dois, pedi que me aguardassem chegar por dois motivos: gostaria de lhes apresentar meu neto, Pablo Merichelle e me despedir.
A senhora limpa as mãos no avental e agarra Pablo, apertando e o abraçando, ele vê as veias no pescoço da mulher, latejando e se oferecendo a ele, para que matasse a sede.
- Sim, faça, é só seguir seus instintos, mas não até o fim, não pode matá-la, pois se assim fizer morrera também.
No outro canto da cozinha Willian segurava o jardineiro.
-Mais uma vez, obrigado Willian.
Bruno avança, agarra o jardineiro e se alimenta.
Todos satisfeitos, agora era hora de seguir viagem, teriam que estar o mais longe possível antes que o conselho, que já devia estar acontecendo, acabasse.
-Willian, sabe o que deve fazer. Se possível, nos veremos em breve, perdoe-me por não lhe contar para onde estamos indo, mas para sua própria segurança é melhor que não saiba.
***
A exuberância de Catarina chamava atenção de todos, seus longos cabelos negros, seus seios volumosos, apresentados juntos a um colar de pérolas, em um grande decote que ia até o umbigo, suas silhuetas delineando um belo vestido marfim, brilhante como ela.
-Vamos nos acomodar e resolver nossos assuntos, não estou muito disposta hoje. Fala Catarina, se dirigindo a seu lugar de costume na mesa do conselho.
-Como sempre, os irmão Geraldinni ainda não chegaram, minha senhora. Fala Melinda puxando a cadeira aonde Catarina iria se sentar.
-Tomem seus lugares, o que temos para discutir não pode esperar.
Antonio, o elegante vampiro de cartola posta-se ao lado de Catarina, em outra ponta da mesa, senta-se um homem esquelético, trajando um terno sujo e rasgado e cheirando muito mal.
-Estamos nos encontrando muito ultimamente. Diz Cleto, batendo com os dedos sujos e cadavéricos sobre a mesa.
-Mais do que eu gostaria. Retruca Catarina olhando para Cleto de soslaio.
-É sobre Bruno novamente, creio?
-Sim, Antonio, infelizmente é. Ocorre o mesmo que antes. Agora ele quer seu neto e pelo que sei, já conseguiu.
-Marcos não deveria acabar com o menino? Espanta-se Antonio.
-Marcos é fraco e não passa de outra criança assim como Merichelle. Vamos acabar logo com isso, uma caçada de sangue e acabamos com este assunto. Diz Cleto levantando da cadeira e socando a mesa.
-É claro, meu caro, Cleto, depois é só assinarmos a nossa declaração de incompetência e esperarmos que outros venham tomar nosso lugar. Fala Catarina, sem ao menos elevar o tom de voz - Por favor, sente se! Quero resolver da maneira mais silenciosa possível, vou mandar Marcos completar o serviço que começou.
-Vou deixar bem claro, Marcos é uma criança também. Não acho prudente que ele tome conta disso sozinho, já falhou uma vez e pode falhar novamente.
_ Sim, Cleto, mas Marcos já conseguiu uma vez e tenho certeza que conseguira novamente.
-Ok, eu concordo. Diz Antonio.
-Tudo bem, vou concordar, só para não ter que ficar aqui com os irmãos Geraldinni, a propósito, acho que estão chegando.
Com um jogo de corpo, Cleto gira de sua cadeira e se desfaz em uma nuvem de fumaça.
-Eu odeio quando ele faz isso. Até logo, minha cara. Antonio se levanta, beija a mão de Catarina e sai pela porta do aposento.
Continua...
Próximo episódio dia 02/04/2011
Escrito por: Bruno dos Santos
Um dos escritores do livro Rito de Sangue.
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